A falência ou a recuperação judicial de uma empresa é, por si só, um processo doloroso e complexo. No entanto, em meio à tempestade econômica, o empresário precisa estar ciente de que suas ações ou omissões podem, se não geridas corretamente, transcender a esfera cível e comercial e se tornar um crime falimentar.
Previstos na Lei nº 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falência), esses crimes visam proteger os direitos dos credores e a integridade do processo de falência ou recuperação, coibindo condutas fraudulentas ou que busquem prejudicar o patrimônio da empresa em crise. A legislação busca garantir que a falência seja um processo justo e transparente, não um subterfúgio para desvio de bens.
A Finalidade Protetiva da Lei de Falências
Os crimes falimentares buscam punir a má-fé e a deslealdade do empresário em relação à massa falida e seus credores. O objetivo é assegurar que, mesmo em um cenário de crise, os ativos da empresa sejam preservados ao máximo e distribuídos de forma equitativa.
Elementos Chave para a Configuração:
- Contexto de Crise: Os crimes ocorrem em regra em conexão com a decretação de falência, o deferimento do processamento da recuperação judicial, ou o descumprimento de um plano de recuperação.
- Dolo: Exige-se a intenção de fraudar, prejudicar credores, desviar bens ou agir de forma ilícita em prejuízo da massa.
- Prejuízo aos Credores/Massa: A conduta deve, em geral, visar ou resultar em prejuízo ao patrimônio da empresa ou aos direitos dos credores.
Principais Crimes Falimentares Envolvendo Empresários:
- Fraude a Credores (Art. 168): Praticar, antes ou depois da sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação extrajudicial, ato fraudulento com o fim de prejudicar credores. Exemplos incluem:
- Alienar (vender, transferir) ou desviar bens sem consentimento dos credores ou autorização judicial.
- Simular operações fraudulentas (ex: vender bens a preço vil para parentes).
- Dar ou propor divisão de lucros ou dividendos que não existam ou estejam em desacordo com o estatuto ou contrato social.
- Violação de Sigilo Empresarial (Art. 169): Divulgar informações sigilosas da empresa em recuperação ou falência, em prejuízo de seus negócios ou da massa falida.
- Omissão de Documentos Contábeis Obrigatórios (Art. 170): Não apresentar os livros contábeis obrigatórios, dados e documentos ou as demonstrações financeiras do devedor ou do administrador judicial no prazo legal. Ou, ainda, adulterar tais documentos. A contabilidade da empresa é crucial para a transparência do processo.
- Indução a Erro (Art. 171): Apresentar informações falsas ou omissas no pedido de recuperação judicial, na contestação da falência ou em qualquer documento exigido pelo processo.
- Exercício Ilegal da Atividade (Art. 172): Exercer atividade econômica, participar de sociedade ou exercer cargo ou função em empresa após a falência, sem estar legalmente reabilitado, quando a lei proíbe.
- Duplicata Simulada (Art. 172 do Código Penal, não da Lei de Falências): Embora não seja exclusivamente falimentar, é comum que empresas em crise emitam duplicatas (títulos de crédito) sem lastro em venda efetiva de mercadoria ou prestação de serviço, para obter crédito de forma fraudulenta.
Consequências para o Empresário:
As penas para os crimes falimentares variam de detenção (até 4 anos) a reclusão (até 6 anos), além de multa. Além da privação de liberdade, o empresário pode enfrentar a inabilitação para o exercício de atividade empresarial e de cargos de administração em empresas por um período. O dano à sua reputação é irreparável, tornando difícil a reconstrução de sua vida profissional.
Prevenção e Defesa: Transparência e Responsabilidade na Crise
A melhor forma de evitar os crimes falimentares é agir com máxima transparência e responsabilidade desde os primeiros sinais de crise financeira da empresa.
- Gestão Transparente na Crise:
- Contabilidade em Dia: Manter a contabilidade da empresa rigorosamente em dia e fidedigna à realidade.
- Acompanhamento Jurídico e Contábil: Buscar auxílio de profissionais especializados (advogados, contadores, consultores financeiros) desde o primeiro momento da crise, mesmo antes de pensar em recuperação judicial ou falência.
- Não Desviar Bens: Evitar qualquer tentativa de desviar bens, valores ou direitos da empresa para si ou para terceiros, sob qualquer pretexto.
- Cumprimento de Prazos: Respeitar rigorosamente os prazos processuais e as determinações judiciais.
- Comunicação com Credores: Manter um diálogo transparente com os credores, buscando soluções e acordos.
- Atuação do Advogado Criminalista: Em caso de investigação ou acusação de crime falimentar, a presença de um advogado criminalista especializado é fundamental para:
- Análise de Dolo: Demonstrar que a conduta não teve a intenção de fraudar os credores, mas foi resultado de erro de gestão ou de circunstâncias de mercado.
- Contexto da Crise: Argumentar que a ação se deu em um cenário de dificuldade financeira e não como um ato deliberado para prejudicar.
- Análise Contábil: Trabalhar em conjunto com peritos contábeis para desmistificar eventuais inconsistências ou erros que a acusação possa alegar.
- Nulidades Processuais: Identificar possíveis falhas no processo de falência ou recuperação que possam impactar a validade da acusação criminal.
- Reabilitação: Orientar o empresário sobre o processo de reabilitação para que ele possa, no futuro, retornar às suas atividades empresariais.
A crise de uma empresa é um momento de extrema vulnerabilidade. As decisões tomadas nesse período crítico podem ter consequências que se estendem por anos na esfera criminal. Priorizar a legalidade e a transparência é o caminho para proteger a si mesmo e seu legado.