A relação de consumo, no Brasil, é um pilar da economia, mas também um campo minado para empresários desatentos. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e a Lei nº 8.137/90 (que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo) estabelecem um conjunto rigoroso de normas que visam proteger o consumidor, considerado a parte mais vulnerável dessa relação.
Ignorar ou violar essas normas pode levar o empresário não apenas a enfrentar sanções administrativas e cíveis (multas, indenizações), mas também a responder a processos criminais, com penas que podem impactar diretamente sua liberdade e reputação.
A Vulnerabilidade do Consumidor e a Responsabilidade do Empresário
A legislação consumerista brasileira parte do princípio da vulnerabilidade do consumidor. Isso impõe ao fornecedor de produtos e serviços um dever de cuidado, lealdade, transparência e segurança que, se negligenciado, pode gerar consequências criminais.
Elementos Chave para a Configuração:
- Relação de Consumo: A conduta criminosa ocorre no contexto de uma relação entre fornecedor e consumidor.
- Engano ou Dano ao Consumidor: Ação ou omissão que visa enganar, induzir a erro, lesar ou expor a risco a saúde, segurança ou patrimônio do consumidor.
- Dolo ou Culpa: A maioria desses crimes exige a intenção de enganar ou a negligência em relação aos deveres de segurança e lealdade.
Exemplos Mais Comuns Envolvendo Empresários:
- Publicidade Enganosa ou Abusiva (Art. 66 e 67 do CDC e Arts. 6º e 7º da Lei 8.137/90):
- Publicidade Enganosa: Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, características, qualidade, quantidade, segurança, desempenho ou preço de produtos/serviços. Ex: Anunciar que um produto é “natural” quando contém aditivos químicos, ou prometer resultados milagrosos sem comprovação científica.
- Publicidade Abusiva: Publicidade discriminatória, que incite à violência, explore o medo ou a superstição, aproveite-se da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
- Venda de Produtos Nocivos à Saúde ou Inadequados (Art. 7º da Lei 8.137/90):
- Ter em depósito para vender, vender ou expor à venda produtos ou mercadorias cujas condições de armazenamento, validade ou qualidade os tornem impróprios para o consumo. Ex: Vender alimentos vencidos, produtos com defeitos de fabricação que causem risco de lesão, cosméticos adulterados.
- Isso se estende a produtos que possam causar riscos à saúde ou integridade física do consumidor, mesmo que o risco não seja imediatamente percebido (ex: brinquedos com peças soltas, aparelhos eletrônicos sem certificação de segurança).
- Induzir o Consumidor ao Erro (Art. 7º da Lei 8.137/90 e Art. 66 do CDC):
- Enganar o consumidor sobre as características, quantidade ou qualidade do produto ou serviço. Ex: Vender um produto como importado quando é nacional, prometer um serviço que não será entregue na sua totalidade.
- Monopólio e Concorrência Desleal (Crimes Contra a Ordem Econômica – Lei 8.137/90): Embora mais amplos, incluem práticas empresariais que visam controlar o mercado ou prejudicar a concorrência de forma ilícita, o que impacta diretamente o consumidor ao reduzir opções e aumentar preços. Ex: Formação de cartel, ajuste de preços entre concorrentes.
Consequências para o Empresário:
As penas para esses crimes variam, mas podem incluir detenção ou reclusão de 6 meses a 5 anos, além de multas. O mais grave, contudo, pode ser o dano à imagem e à reputação da empresa e do empresário, que podem levar à perda de clientes e à falência do negócio, muito além das sanções legais.
Prevenção e Defesa: A Proteção do Consumidor como Prioridade
A melhor defesa contra esses crimes é a adoção de uma cultura empresarial focada na ética, transparência e respeito ao consumidor.
- Compliance Consumerista: Implementar um programa de compliance que assegure a conformidade com o Código de Defesa do Consumidor e outras leis aplicáveis. Isso inclui:
- Revisão de Publicidade: Análise prévia de todo material publicitário para garantir que seja claro, preciso e não enganoso.
- Controle de Qualidade: Rigorosos padrões de controle de qualidade e segurança dos produtos e serviços oferecidos.
- Treinamento da Equipe: Capacitação de funcionários sobre as leis do consumidor e o atendimento ético.
- Canais de Atendimento ao Consumidor: Eficientes e acessíveis para resolução de problemas e reclamações.
- Transparência: Clareza nas informações sobre produtos, preços, garantias e condições de venda.
- Atuação do Advogado Criminalista: Em caso de acusação, o advogado criminalista especializado em Direito do Consumidor e Penal Econômico será fundamental para:
- Analisar a Conduta: Distinguir entre uma infração administrativa e um crime, e verificar a presença de dolo ou culpa.
- Contestar a Materialidade: Questionar se o produto era de fato nocivo ou se a publicidade era de fato enganosa, com base em provas técnicas.
- Argumentar a Ausência de Dolo: Demonstrar que não houve intenção de enganar ou prejudicar o consumidor.
- Buscar Acordos: Em crimes de menor potencial ofensivo, buscar transação penal ou suspensão condicional do processo.
- Defender a Reputação: Além da defesa legal, trabalhar para mitigar os danos à imagem da empresa e do empresário.
A proteção do consumidor é um dever legal e um imperativo de mercado. Para o empresário, negligenciar essa área não é apenas uma má prática comercial; é um convite a problemas criminais que podem colocar em xeque o futuro do seu empreendimento.