Contratar com o Governo: Quando Negócios Viram Problemas Criminais – Os Crimes Licitatórios e Contra a Administração Pública

Para muitos empresários, os contratos com o setor público representam uma fatia significativa e estratégica de seus negócios. No entanto, o envolvimento com a máquina estatal exige um nível de cuidado e conformidade que supera o das relações privadas. O foco na probidade, na transparência e na competitividade das licitações e contratos administrativos faz com que qualquer desvio de conduta possa rapidamente escalar para o âmbito criminal.

A entrada em vigor da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), que trouxe um novo rol de crimes e penas mais severas, intensificou ainda mais os riscos para os empresários que operam nesse mercado.

A Espada da Lei Sobre os Contratos Públicos

Os crimes licitatórios e contra a Administração Pública visam proteger a moralidade e a eficiência do serviço público, garantindo que os recursos públicos sejam utilizados de forma correta e que a concorrência seja justa. O foco é punir condutas que afetem a lisura dos processos de contratação e a integridade dos agentes públicos.

Elementos Chave para a Configuração:

  • Interesse Público Prejudicado: A conduta deve visar ou resultar em dano ao patrimônio público ou à probidade administrativa.
  • Vantagem Indevida: Buscar ou oferecer benefício ilegítimo para si ou para outrem.
  • Dolo: Na grande maioria desses crimes, exige-se a intenção do agente em fraudar, corromper ou prejudicar.

Principais Crimes Licitatórios (Lei nº 14.133/2021 – Arts. 337-E a 337-P do Código Penal):

A Nova Lei de Licitações tipificou condutas que eram anteriormente reguladas por leis diversas, e revogou a Lei nº 8.666/93 nesse quesito. Dentre os crimes mais relevantes para empresários, destacam-se:

  • Contratação Direta Ilegal (Art. 337-E): Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta (dispensa ou inexigibilidade de licitação) fora das hipóteses previstas em lei, ou sem observar as formalidades pertinentes. Empresários que se beneficiam dessas contratações ilícitas podem ser coautores do crime.
  • Frustração do Caráter Competitivo de Licitação (Art. 337-F): Ajustar, combinar ou manipular propostas em licitação ou procedimento de contratação direta com o intuito de obter vantagem ilícita. Isso inclui o clássico “cartel” ou conluio entre empresas.
  • Patrocínio Indevido (Art. 337-G): Revelar segredo, ou valer-se de informação privilegiada, obtida em razão de cargo ou função na Administração Pública (por parte de agentes públicos, mas o empresário que se beneficia pode ser coautor).
  • Modificação ou Pagamento Irregular em Contrato (Art. 337-H): Admitir, possibilitar ou dar causa a modificação ou vantagem em contrato que não seja prevista em lei, no edital ou nos respectivos instrumentos contratuais. Ou efetuar pagamento antecipado, com a inversão da ordem de etapas de serviços, entre outros.
  • Descumprimento Contratual (Art. 337-I): Deixar de executar contrato com a Administração Pública ou atrasar a execução, quando tal conduta gerar dano ao erário.
  • Contratação Sem Habilitação (Art. 337-J): Contratar empresa ou profissional declarado inidôneo ou suspenso de participar de licitação.

Crimes Contra a Administração Pública em Geral (Código Penal):

Além dos crimes específicos da Lei de Licitações, empresários podem ser envolvidos em:

  • Corrupção Ativa (Art. 333): Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Este é o crime do empresário que “suborna” um agente público.
  • Tráfico de Influência (Art. 332): Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.
  • Fraude à Execução Fiscal (Art. 337 do CP): Embora não exclusivo da relação com o governo, pode ocorrer quando o empresário vende ou desvia bens para evitar o pagamento de dívidas fiscais ou com órgãos públicos.

Consequências para o Empresário:

As penas para esses crimes são severas, geralmente com reclusão de 2 a 12 anos, além de multas e a possibilidade de perda de bens e valores obtidos ilicitamente. Adicionalmente, há sanções administrativas como a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com o Poder Público, o que pode inviabilizar a continuidade da empresa no setor. A reputação, tanto do empresário quanto da empresa, é severamente abalada.

Prevenção e Defesa: A Integridade como Estratégia de Negócios

A melhor estratégia para empresários que atuam ou pretendem atuar com o setor público é a integridade total e a conformidade rigorosa.

  • Compliance em Contratos Públicos: A implementação de um programa de compliance anticorrupção e licitatório robusto é indispensável, incluindo:
    • Diligência Prévia (Due Diligence): Avaliação de riscos em todas as fases da contratação, desde a participação na licitação até a execução do contrato.
    • Treinamento da Equipe: Capacitação de todos os colaboradores envolvidos em licitações e contratos governamentais sobre as leis anticorrupção e de licitações.
    • Políticas Internas Claras: Estabelecimento de regras claras sobre brindes, presentes, doações e interações com agentes públicos.
    • Canais de Denúncia: Para que irregularidades possam ser reportadas internamente.
    • Auditorias Periódicas: Para verificar a conformidade dos processos.
  • Atuação do Advogado Criminalista: Em caso de investigação ou acusação, a atuação de um advogado criminalista especializado é vital para:
    • Análise Detalhada: Verificar se a conduta se enquadra nos novos tipos penais da Lei nº 14.133/2021, que são mais específicos e detalhados.
    • Identificar Nuances: Distinguir entre meras irregularidades administrativas e crimes efetivos, buscando a desclassificação.
    • Contestar Provas: Analisar a legalidade da coleta de provas (escutas, buscas e apreensões, colaborações premiadas).
    • Argumentar Ausência de Dolo: Demonstrar que não houve intenção de fraudar a licitação ou corromper agentes públicos.
    • Buscar Acordos (Leniência/Colaboração): Em situações complexas, analisar a viabilidade de acordos de leniência (para a empresa) ou colaboração premiada (para a pessoa física) com as autoridades, que podem trazer benefícios significativos na pena.

O campo dos contratos públicos é lucrativo, mas exige máxima prudência. A ética e a legalidade não são apenas requisitos, mas a base para a sustentabilidade e segurança do seu negócio.

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