Sonegação Fiscal e Apropriação Indébita Previdenciária: O Calcanhar de Aquiles do Empresário no Brasil

No vasto e intricado labirinto da legislação brasileira, os crimes tributários e previdenciários se destacam como as armadilhas mais comuns e perigosas para empresários. A pressão por resultados, a alta carga tributária e a complexidade das normas fiscais criam um ambiente propício para que atos, por vezes interpretados como meros “erros de gestão” ou “otimização fiscal”, sejam enquadrados como delitos criminais graves.

Compreender a distinção entre infração administrativa e crime é vital para a prevenção e para a construção de uma defesa eficaz.

1. Crimes Contra a Ordem Tributária (Sonegação Fiscal)

Tipificados na Lei nº 8.137/90, esses crimes abrangem uma série de condutas que visam suprimir ou reduzir tributos e contribuições sociais. A criminalização ocorre quando a ação do empresário demonstra a intenção de enganar o fisco para evitar o pagamento devido.

Elementos Cruciais para a Configuração:

  • Dolo (Intenção): É fundamental que haja a intenção do agente em suprimir ou reduzir tributos. Um simples erro ou uma divergência de interpretação legal, sem dolo, não configura o crime.
  • Meio Fraudulento: A conduta deve ser praticada mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. A lei lista condutas específicas, tais como:
    • Omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.
    • Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos ou omitindo operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pela lei fiscal (contabilidade, notas fiscais).
    • Utilizar nota fiscal, fatura ou duplicata que sabe ou deveria saber falsa ou inexata.
    • Negar ou deixar de fornecer nota fiscal ou documento equivalente, ou fornecê-lo em desacordo com a legislação.
    • Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos para eximir-se total ou parcialmente do pagamento de tributos.
  • Resultado (Consumação): Via de regra, os crimes de sonegação são considerados “crimes de resultado”. Isso significa que para a sua consumação é necessário que ocorra a constituição definitiva do crédito tributário. Ou seja, a dívida fiscal deve ser formalizada, por meio de um auto de infração ou notificação fiscal, e não pode mais ser objeto de discussão administrativa ou judicial. Enquanto houver recurso administrativo em trâmite, o crime não se aperfeiçoa, e a ação penal não pode ser iniciada.

Implicações e Consequências:

A pena para a sonegação fiscal pode variar de 6 meses a 5 anos de detenção ou reclusão, além de multa, a depender da gravidade da conduta. Além das sanções penais, o empresário ainda enfrentará as consequências fiscais, como multas elevadas (que podem ultrapassar 150% do valor do tributo devido) e o recolhimento do valor sonegado.

Estratégias de Prevenção e Defesa:

  • Compliance Tributário: A implementação de um robusto programa de compliance fiscal, com auditorias regulares, treinamentos para a equipe e um sistema de controle interno eficaz, é a melhor forma de prevenir a sonegação.
  • Prova da Ausência de Dolo: Em caso de acusação, a defesa focará em demonstrar a ausência de dolo, provando que a divergência fiscal foi resultado de erro, de uma interpretação jurídica razoável ou da complexidade da legislação.
  • Extinção da Punibilidade pelo Pagamento/Parcelamento: Este é um dos pilares da defesa nos crimes tributários. O pagamento integral do tributo e seus acessórios (multa e juros), a qualquer tempo – mesmo após o início da ação penal –, extingue a punibilidade do agente. O mesmo vale para o parcelamento do débito, enquanto o acordo estiver sendo cumprido. Um advogado criminalista experiente pode negociar com o fisco e orientar o cliente a buscar a regularização, antes mesmo que a denúncia seja oferecida, evitando um processo criminal.

2. Apropriação Indébita Previdenciária

Tipificado no Art. 168-A do Código Penal, este crime ocorre quando o empresário, agindo como o responsável pela arrecadação de contribuições previdenciárias de terceiros (principalmente os descontos dos salários dos empregados), deixa de repassar esses valores à Previdência Social no prazo legal.

Elementos Cruciais para a Configuração:

  • Desconto/Arrecadação: O empresário efetua o desconto da contribuição previdenciária do salário do funcionário ou arrecada as contribuições devidas pela empresa.
  • Não Repasse: Deixa de recolher, no prazo e forma legal, essas contribuições à Previdência Social. A conduta não é a de “não pagar”, mas sim a de “não repassar” algo que já foi descontado ou que é devido por lei.
  • Dolo: Exige-se a intenção de não repassar os valores.

Implicações e Consequências:

A pena para a apropriação indébita previdenciária é de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. É um crime grave que afeta diretamente o direito previdenciário dos trabalhadores.

Estratégias de Prevenção e Defesa:

  • Prioridade no Recolhimento: Manter o recolhimento das contribuições previdenciárias como prioridade absoluta na gestão financeira da empresa.
  • Reconciliação Contábil: Auditorias e revisões contábeis periódicas para garantir a correta apuração e o repasse dos valores.
  • Extinção da Punibilidade: Assim como nos crimes tributários, o Art. 337-A, § 2º do Código Penal (que se aplica ao crime previdenciário por analogia ao Art. 168-A) prevê que a extinção da punibilidade ocorre se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, valores e acessórios antes do início da ação fiscal. Adicionalmente, o pagamento integral do débito previdenciário (incluindo multas e acréscimos) a qualquer tempo, mesmo após o início da ação penal, também extingue a punibilidade. O mesmo ocorre com o parcelamento, desde que cumprido.

O Papel do Advogado Criminalista: Mais que Defesa, Prevenção

Em ambos os casos, a atuação de um advogado criminalista especializado em Direito Penal Econômico é indispensável. Sua expertise não se limita a defender o empresário após a acusação; ela se estende à consultoria preventiva, orientando sobre as melhores práticas para evitar riscos criminais.

Em caso de investigação ou processo, o advogado saberá:

  • Identificar a Fase Processual: Compreender se o crédito tributário ou previdenciário já está definitivamente constituído.
  • Negociar com o Fisco: Orientar sobre as melhores formas de regularizar a situação fiscal e previdenciária para extinguir a punibilidade.
  • Argumentar a Ausência de Dolo: Contestar a intenção criminosa do empresário.
  • Propor Acordos: Em alguns casos, buscar acordos de não persecução penal (ANPP) quando os requisitos legais forem preenchidos.

A saúde fiscal e previdenciária de uma empresa não é apenas uma questão financeira; é uma questão de liberdade e reputação. Não subestime os riscos; esteja sempre um passo à frente com o suporte jurídico adequado.

Fábio Péricles

é advogado criminalista, pós-graduado em Defesa em Crimes de Lavagem de Capitais, Extensão em Penal Tributário, sócio fundador do Fábio Péricles Advogado & Associados, membro da Comissão de Direito Penal da OAB de Santo André e Mauá.


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